segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O perigo que vem do campo (continuação)

Antibióticos no gado criam bactérias hiperresistentes


No Hospital John Hopkins, Silbergeld decidiu concentrar sua pesquisa inicial sobre os aspectos de saúde ocupacional da agricultura industrial. Com cinco co-autores da Escola Bloomberg e da Faculdade de Medicina, publicou nos EUA o primeiro estudo de base sobre pessoas que trabalhavam com aves, colonizados por micróbios resistentes, relatando que 50 por cento dos trabalhadores pesquisados tinham E. coli, que era resistente aos antimicrobianos gentamicina, comparados a apenas 3 por cento dos membros da comunidade que não trabalhavam com aves. Ela estudou a associação entre o contato profissional com galinhas vivas, Campylobacter jejuni, e neuropatia periférica, e encontrou uma presença significativamente elevada de anticorpos anti-Campylobacter em avicultores, indicando colonização. Muitos desses trabalhadores também relataram sintomas de doenças neurológicas associadas ao patógeno. 


Pesquisadores de outras instituições ao redor do mundo relataram associações similares. Na avicultura industrial ou em fazendas de suínos, havia bactérias resistentes aos medicamentos colonizando trabalhadores rurais e suas famílias. Em 2003 e 2004, Kellogg Schwab recolheu amostras do ar em uma fazenda/fábrica que abrigava três mil porcos em dois edifícios. As amostras continham enterococos, estafilococos e estreptococos, e 98 por cento dos isolados bacterianos foram resistentes a dois ou mais antimicrobianos comum. Em um estudo publicado no Environmental Health Perspectives, Schwab sugeriu que a única forma de bactérias terem passado de animais para humanos era através dos trabalhadores que respiraram aquele ar.
Em outro estudo, de 2002 a 2004, Schwab recolheu amostras de água de superfície e subterrâneas de uma fazenda de suínos. Ele e seus co-pesquisadores descobriram que a água subterrânea - ou seja, a água que vem das granjas de suínos - continha 17 vezes mais enterococos, 11 vezes mais E. coli  e 33 vezes mais coliformes fecais do que a água de superfície. Os patógenos encontrados em nível inferior também eram muito mais propensos a serem resistentes a antibióticos.


Cientistas sabem que patógenos resistentes podem viajar de fazendas por ar, água, pássaros, moscas, caminhão de galinha, ou espalhador de estrume, mas eles ainda não têm uma boa resposta para a distância que podem viajar ou por quanto tempo podem permanecer viáveis. Só porque um pesquisador detecta estafilococos resistentes a drogas em uma amostra de ar, não significa que estejam propensos a deixar alguém doente. 
Porém, um meio de transporte que pode cobrir distâncias significativas é o de pessoa a pessoa - o trabalhador agrícola, por exemplo, contamina-se com bactérias em uma granja de frango e as transmite para um membro da família, que as passa para um membro da comunidade, que as levará para uma clínica de saúde ou hospital, onde passarão a residir, causando infecções resistentes a antibióticos em pacientes cirúrgicos e imuno-comprometidos. Durante anos, cientistas, médicos e público vêm considerando o aumento de infecções resistentes às drogas como um problema hospitalar (ver "Bugs contra as drogas", Johns Hopkins Magazine, fevereiro de 2008). É onde micróbios perigosos como enterococos resistentes à vancomicina (VRE) e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) se disseminam.


Entretanto, os hospitais começaram a divulgar, cada vez mais, que pessoas que nunca haviam entrado em uma unidade de saúde já chegavam colonizadas por bactérias resistentes. Pessoas contaminadas com MRSA, por exemplo, que hoje mata mais de 20 mil pessoas a cada ano, mais do que se morre de AIDS.
Há cerca de três anos, Silbergeld começou a pensar sobre MRSA e a agricultura industrial. E não foi a única.


Em novembro de 2006, pesquisadores holandeses relataram o caso de uma jovem mãe tratada em 2004 com mastite.  Culturas realizadas pelo seu clínico geral revelaram a presença de MRSA, que foi depois encontrada em seu marido e filha. Seu marido era pecuarista, com 8 mil suínos, e quando os pesquisadores testaram 10 suínos, escolhidos ao acaso na fazenda, encontraram MRSA geneticamente idênticas em oito deles, e o mesmo em três outros trabalhadores da fazenda.
Os mesmos resultados foram encontrados tanto no Canadá como nos EUA.


Em meio aos estudos, a indústria de alimentos se defende dizendo que a culpa da existência de bactérias resistentes é do próprio homem e não do uso de drogas nos animais.


Esse debate desespera Silbergeld, que diz: "Estes são os aditivos alimentares. É como usar antibióticos como tintura de cabelo." Ela acrescenta: "Nós temos esta prática de permitir a adição de praticamente qualquer antibiótico que você pode imaginar para alimentação animal, sem nenhum objetivo terapêutico, em condições que só favorecem o surgimento da resistência. Nós não temos nenhum controle ou gestão de resíduos. Nosso sistema de segurança alimentar é uma balbúrdia. Essa é uma situação amplamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, a Sociedade Médica Americana, e por outros, e nada acontece!”


Silbergeld e Schwab apoiam o uso de drogas para tratar os animais doentes, mas acreditam que todos os antibióticos devem ser banidos das rações animais. 


Eles acompanharam o debate sobre o cefquinoma, uma cefalosporina de quarta geração. Uma empresa de Delaware, Intervet Inc., quer a aprovação da FDA para usar o cefquinoma no tratamento da doença respiratória dos bovinos. Mas o antibiótico é quimicamente relacionado ao cefepime, uma das poucas opções restantes para o tratamento de infecções fatais em pacientes com câncer. Cientistas temem que, se os patógenos desenvolverem resistência ao cefquinoma, essa resistência poderia rapidamente arruinar o cefepime para uso humano. A Associação Médica Americana, vários outros grupos da saúde, e o próprio grupo consultivo do FDA têm pedido à agência para rejeitar a droga no uso em animais de fazenda, mas esta ainda não se pronunciou. Silbergeld está desolada.


por Dale Keiger, Editor-associado da Universidade John Hopkins Magazine

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